Fundador de uma empresa de nutracêuticos, Caesar de Paço decidiu repartir o sonho americano com quem mais precisa – seja de que lado do oceano for
Quando Portugal ardeu, mantimentos, comida e milhares de euros chegaram às populações. Quando soube que os bombeiros arriscavam a vida num camião-tanque sem travões, foi-lhes entregue um cheque de 16 mil euros. Quando o Natal estava para chegar, a Obra Social Madre Maria Clara, que acolhe crianças institucionalizadas, teve mais presentes no sapatinho, incluindo um cheque de cinco mil euros que fará a diferença na vida desses miúdos a quem a sorte não sorriu na mesma medida.
Não é comum encontrar alguém que esteja sempre disposto a ajudar, mas para Caesar de Paço isso é tão natural quanto levantar-se de manhã. E se o faz nos Estados Unidos, onde chegou ainda miúdo – nos últimos três anos, a sua empresa ofereceu 47 cães às unidades K9 da polícia local, mas também é frequente, por exemplo, assumir as despesas de cirurgias ou tratamentos de crianças com cancro ou autismo -, nunca deixou para trás aqueles com quem partilha a nacionalidade. Antes decidiu dividir com eles também tanto quanto pode do sonho americano de que ele próprio tem sido protagonista.
Porque a generosidade é um dos traços mais marcados do seu ADN, a escolha deste açoriano para cônsul Ad Honorem na Florida, há 14 anos, ainda que o tenha surpreendido na altura, assenta-lhe na perfeição. Que o digam as mais de 30 pessoas que atende por dia no consulado, um dos dois únicos honorários (o outro é em Connecticut) que têm plenos poderes à exceção da atribuição de vistos, estabelecido desde 2015 na melhor localização de Palm Coast (a quase 500 quilómetros para norte de Miami), ao lado do City Hall – e cujas despesas, que ascendem a meio milhão de dólares por ano, são inteiramente suportadas por Caesar.
Não é ele quem dá o valor – Caesar de Paço é um homem discreto e pouco chegado quer à visibilidade quer ao poder -, mas não é muito difícil descobrir que declinou ajudas estatais de Portugal. “É a minha forma de ajudar a comunidade portuguesa”, simplifica. Mesmo porque, como faz questão de sublinhar, “não tenho qualquer pretensão política, nem aqui nos Estados Unidos nem lá em Portugal”.
Nascido na Madalena do Pico há pouco mais de 50 anos, Caesar sente-se e diz-se orgulhosamente português a 100%, apesar de já ter andado um pouco por toda a parte. Nunca quis, embora pudesse fazê-lo, pedir nacionalidade americana. “Sou muito patriótico”, justifica na sala do consulado Ad Honorem onde conversamos depois de me apresentar a sua equipa, que o acarinha tanto quanto qualquer pessoa a quem se pergunte sobre ele, portuguesa ou americana. Mas afinal como veio aqui parar? Sorte e trabalho.
Filho do chefe das repartições das Finanças dos Açores, os primeiros anos de vida passou-os entre ilhas. Até que os pais se divorciaram. Caesar tinha então 11 anos e foi com o pai, quando este emigrou para os Estados Unidos. Encurtando a história da sua infância, aos primeiros anos da maioridade estava em Inglaterra a tirar Psicologia e decidiu então que queria viajar pelo mundo. Fez praticamente toda a Europa ao volante de um carro que o pai lhe oferecera. Foi andando ao seu ritmo, conhecendo famílias que o acolheram e para as quais trabalhou para ganhar dinheiro para a gasolina, a comida, as estadas e a diversão, absorvendo diferentes modos de vida e culturas distintas. Chegado a Chipre, vendeu o carro e comprou bilhete de ida para a Austrália, que sempre quisera conhecer. Passou uns tempos em Perth, onde ganhou vantagem num trabalho como vendedor de enciclopédias – “além do inglês, falava português, espanhol, francês, italiano e alemão”, ri-se. O lucro desses quatro anos rendeu-lhe uma longa temporada na Tailândia, onde começou a ensinar Psicologia a professores do secundário.
Foi então que o avô materno, que sempre admirou profundamente, o convenceu a voltar aos Estados Unidos, onde aterrou finalmente em 1994. E depois de um primeiro emprego na sua área, em Jersey, e do trabalho desenvolvido nesses tempos com deficientes num centro ocupacional local, aconteceu aquilo a que por ali se chama life changing event. Com um amigo, Richard, que trabalhava na área da nutrição, teve a ideia de abrir a Summit Sourcing, empresa que fazia a intermediação de produtos farmacêuticos e nutricionais. No primeiro ano, a companhia conseguiu vender cerca de oito milhões de dólares em produtos, com lucros consideráveis.
Entretanto o amigo decidiu sair, deixando Caesar sozinho à frente da empresa. Ora um dos nutracêuticos (termo que resulta da combinação de nutrição e farmacêutica) da sua lista de comercialização era o sulfato de coindroitina – simplificando, um produto à base de extrato de cartilagem animal que ajuda em problemas de tendões, ligamentos e afins. E Caesar lembrou-se de fazer um périplo pelos matadouros do país e negociar a compra das traqueias de bovinos – que até então eram consideradas desperdício -, conseguindo um contrato por 20 anos. O passo seguinte foi investir numa megafábrica de transformação em Buffalo, certificada pelo Departamento de Agricultura americano, e começar a vender.
De portas abertas desde 2001 e hoje recorrendo ainda a fontes aviárias, suínas ou marinhas para os seus produtos – que abarcam a indústria farmacêutica mas também a veterinária -, a Summit Nutritionals International tem hoje mais de uma centena de trabalhadores e sedes no Líbano e em New Jersey, ,mas é a partir de Cascais que controla as exportações para o mundo inteiro. Apenas porque fez questão de manter a ligação a Portugal, mesmo no que aos negócios diz respeito.
Hoje a viver entre New Jersey, onde gere os negócios com a mulher, e Palm Coast, onde acarinha a comunidade portuguesa – mas também muitos sul-americanos que já sabem que ali podem ter o apoio que dificilmente conseguem noutros gabinetes, ainda que mais oficiais -, passa temporadas muito frequentes em Miami. E conforme consegue organizar a sua vida, vai um pouco mais longe, até Portugal.
Apaixonado por carros – tem uma coleção que inclui Ferrari, Aston Martin e oito Rolls Royce -, mas sobretudo pelo seu país e pelas tradições com as quais cresceu nos Açores, onde ainda neste verão foi homenageado, Caesar de Paço passa por Portugal várias vezes ao ano. Não é preciso ser Natal ou estarmos no verão. “E sempre que posso vou assistir a uma corrida de corda, que adoro!”
Caesar de Paço é um homem bem resolvido e decidido. Casado em segundas núpcias com Deanna Padovani-DePaço, de quem fala frequentemente e sempre com visível admiração e carinho, é absolutamente dedicado às mulheres da sua vida. E que, além de Deanna, com quem está há uma década – e a quem inclusivamente já ensinou a língua portuguesa -, incluem ainda as duas filhas, Valentina, de 8 anos (que já fala inglês, português, espanhol e está a aprender mandarim), e Vittoresa, de apenas 12 meses.
No mês passado, recebeu uma notícia que o deixou feliz: Portugal manteve na cidade de Palm Coast um dos seus 14 consulados honorários nos Estados Unidos, conservando-lhe os plenos poderes que lhe permitem ajudar a processar pedidos de passaportes e cartões de cidadão. “Em 2016, fizemos aqui em média 250 atos consulares por mês”, revelou ao jornal Luso-Americano. No verão do último ano, esse número já havia sido amplamente ultrapassado: 882 cartões de cidadão processados e 750 passaportes. Neste novo ano que acaba de entrar, talvez Caesar de Paço – e sobretudo a comunidade que com ele tem contado nos últimos anos – receba ainda melhores notícias. Como a possibilidade de Portugal autorizar que o Consulado Ad Honorem na Florida introduza as chamadas permanências consulares, que lhe permitirão poder chegar a toda a comunidade portuguesa no estado.